segunda-feira, 28 de abril de 2014

“Sebastião Toupeira”: António Galamba e a resistência ao fascismo

Fonte: Jorge Manuel Costa



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“Enquanto, atabalhoadamente, tentava deitar para a lareira os «adiante!» que tinha para distribuir naquela semana, uma pergunta correu-lhe o corpo varado pelo frio da injustiça: quem o teria denunciado?” – António Galamba, “Sebastião Toupeira”

“O poder inventou fronteiras. A amizade profunda arrasa-as.”
É assim que António Lains Galamba justifica que a apresentação do seu último livro arranque em Espanha, no limite noroeste da Estremadura, e não no Alentejo, geografia física e humana de eleição do escritor. Com lançamento programado para o mês em que se assinalam os 40 anos da revolução dos cravos, “Sebastião Toupeira” marca o regresso do antropólogo e fotógrafo às edições de autor.

A sessão inaugural realiza-se a 10 de Abril, às 10:15 (hora local), no Instituto de Ensino Secundário Val de Xálima, em Valverde del Fresno (Cáceres). Seguem-se Aljustrel (dia 26), Beja (Maio), Ourém (1 de Junho), entre outros locais e datas a confirmar como Castelo Branco (5 de Julho) ou Guarda, cidades que também deverão acolher a mostra com as treze ilustrações de Roberto Chichorro que dão vida à obra.
O desafio partiu de um amigo do jovem, Daniel Berrocal, que se encontra a leccionar português na localidade estremenha onde são claras as semelhanças do galego e da língua de Camões com a fala, dialecto comum a outras duas aldeias fronteiriças da comarca da Serra de Gata. Por ali, o encontro de culturas em ambiente escolar já não é novidade, posto que em Novembro aquele liceu e o vizinho Colégio de Nossa Senhora da Assunção promoveram o primeiro intercâmbio luso-espanhol, levado a cabo com a Escola Básica e Secundária Ribeiro Sanches, de Penamacor.
Natural de Coimbra (“fui lá nascer” em 1981) mas alentejano por adopção, Galamba rendeu-se à “heróica planície” que “tinha de ser a pátria da maioria dos navegadores” e se inicia nos olhos das velhas”. “Olhos incendiados” de “gente profunda, à “espera de cansaço” num “silêncio dorido mordendo a cal”. Nesta obra sobre as míticas toupeiras vermelhas, e que se destina a um público mais novo do que o habitual (“entristece-me que as crianças não saibam o que é o 25 de Abril”), o escritor regressa ao universo soalheiro de montados e searas, aperfeiçoando os “sonhos nunca gastos da infância”.
Viagem guiada por uma figura de verticalidade rara para os padrões actuais, a qual demonstra “como se constrói um mundo livre de tiranos. De acordo com o autor, também palhaço balonista, “o livro conta o que foi a resistência ao fascismo, fazendo um paralelo com o trabalho anterior”. Para isso, vale-se mais uma vez do talento de Chichorro, sendo no entanto esta a última obra do género a que o artista plástico moçambicano dá forma e colorido, pondo fim a uma carreira de meio século.
Em 2003, Castro Verde chamou António Galamba para um estágio, mas foi Aljustrel que o fez levar mais longe o interesse pelo povo e a paixão de sempre pelas histórias de vida. Posto quetodo o homem é um verso nunca lido”, “luz” que sempre se apaga, “o dever de um antropólogo é devolver a voz a quem não pôde escrever a sua história”, justifica. Da troca de experiências entre desconhecidos que se tornaram amigos, e da vontade de contrariar o “branqueamento” histórico, posta à prova ao longo de vários anos, surgiu “Mineiros de Aljustrel, nas barrenas da memória – trabalho e resistência sob o fascismo”, editado em 2011.
Súmula dos testemunhos de cinco operários que, na clandestinidade de onde brota a camaradagem, resistiram à ditadura, mas não escaparam à cárcere e aos métodos de repressão do Estado Novo. “Para quê o dedo do investigador, se as histórias eram tão ricas e falavam por si? Eu não escrevi nenhum livro. Só fui a cola e devolvi estas letras a alguém”, argumenta o jovem, que em 2012, acompanhado pelo Grupo Coral do Sindicato Mineiro de Aljustrel, esteve em Castelo Branco, na Casa do Arco do Bispo, para dar a conhecer este livro e as ilustrações a tinta da china que o acompanham.
E se é enquanto académico e cidadão activo que o militante comunista acredita contribuir para a transformação política e social do Alentejo, quanto à ficção é na poesia, e sob o pseudónimo de Lains de Ourém, que António Galamba se sente como peixe na água. A mesma que alimenta a frescura “rente ao subsolo” dessa “terra rasa” transformada em “cal ante o deserto do restolho”. Pátria das tabernas, esses “faróis ao cansaço dos homens, teimando ante a canícula a fúria de estarem vivos”, sul remoto onde a esperança é efémera (Todas as ribeiras / Morrem afogadas / E as aves caem / Como chumbo”), as raízes “o amor na versão da sede”, e em que se chora a morte de uma oliveira velha.
“Como a prosa exige mais tempo e a capacidade de criar enredo, uso-a sobretudo em artigos de opinião”, esclarece o também colunista do jornal Notícias de Ourém e autor do blogue Cravo de Abril. Página virtual onde, por entre considerações políticas sobre a liberdade, sobressaem pedaços de uma poética cúmplice com a seiva humanista de Alexandre O’Neill, António Gedeão, José Gomes Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Ary dos Santos, David Mourão Ferreira, Jorge de Sena ou Mário Castrim.
A nível editorial, primeiro foram “As gentes e as arestas: a memória dos homens em viagem” (Som da Tinta, 2003), com o antropólogo e músico Ricardo Santos, dos Velha Gaiteira. Mais tarde, em “A Casa das Glicínias” (2013), junta-se-lhes a fotografia de João Galamba de Oliveira, reforço das emoções poéticas aqui convocadas pelas lembranças (defraudadas ou não) dos dois irmãos. Ou não se tratasse da casa onde ouvi tocar o Alvim que acompanhou o Paredes, onde muito brinquei na infância”, diz o escritor, confessando sem reservas: “Ainda hoje tenho essas flores que sempre me invadem a memória.”
De regresso à antropologia, António Galamba está a preparar “O mapa da minha aldeia é um punho fechado – trabalho e resistência sob o fascismo”, estudo concentrado na freguesia de Couço (Coruche). E mesmo que até ao momento não tenha produzido nenhuma investigação sobre outra realidade social não menos penosa, a dos beirões que iam para o Alentejo trabalhar em actividades agrícolas sazonais, “sempre me interessou a sua imagem na literatura neo-realista”, refere o autor. Nessa linha, invoca quer os pontos de vista de Alves Redol e Fernando Namora sobre os célebres “ratinhos”, quer as referências que a eles faz em mais uma das suas obras, “Assalariados Agrícolas de Ervidel – trabalho e resistência sob o fascismo”, lançada em 2009.

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